ENGANOSO: É enganosa uma publicação que associa a previsão do governo federal de bloquear recursos do Orçamento de 2024 a um confisco de poupanças no país, medida adotada no extinto Plano Collor, de 1990. Um anúncio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tratava de contingenciamento de despesas públicas para zerar o déficit fiscal no próximo ano, em cumprimento ao novo arcabouço fiscal.
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Conteúdo investigado: Um vídeo no TikTok exibe uma captura de tela de uma aparente reportagem com a foto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), acompanhada do título "Haddad diz que pode bloquear até R$ 23 bilhões para cumprir déficit zero". O autor da postagem acrescenta abaixo comentários que associam o anúncio deste ano ao extinto Plano Collor, de 1990, que confiscou cadernetas de poupança: "Não parece familiar??".
Onde foi publicado: TikTok.
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Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação que associa o contingenciamento do Orçamento público de 2024 previsto pelo Ministério da Fazenda, à política de confisco de cadernetas de poupança adotada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello (hoje no PTB) em 1990.
Um print na postagem remete, aparentemente, a uma publicação do site da Jovem Pan que utiliza o mesmo título e foto do ministro Fernando Haddad. A reportagem do portal trata, na verdade, de um anúncio de Haddad sobre limitar, no ano que vem, recursos da União com uso autorizado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para atingir a meta de déficit fiscal zero, quando os gastos públicos se equiparam à arrecadação.
A previsão de contingenciamento do dinheiro público feita pelo ministro também foi noticiada por outros veículos (Folha, Estadão, g1, CNN Brasil), que reforçam que não há qualquer relação com confisco de poupanças.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de novembro, o vídeo teve 4,7 mil compartilhamentos e mais de 3,6 mil curtidas.
Como verificamos: O Comprova buscou o título da reportagem exibida no vídeo e encontrou uma publicação da Jovem Pan sobre o tema com a mesma manchete e foto. A partir de busca no Google com termos-chave parecidos ("Haddad" + "bloqueio" + "contingenciamento" + "R$ 23 bilhões"), também encontrou matérias de outros veículos sobre o anúncio feito por Haddad.
A verificação ainda procurou por reportagens que tratam do Orçamento público de 2024, sob discussão no Congresso Nacional a partir do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO).
Contingenciamento pretende atender meta fiscal
O bloqueio citado por Haddad trata-se de uma medida de contingenciamento, em que o Executivo federal limita a execução de gastos autorizados na LDO. Isso atinge apenas recursos federais voltados para despesas discricionárias, que não são de aplicação obrigatória, como custeio e investimentos.
Desde 2016, a adoção do contingenciamento se tornou uma prática comum para atender o teto de gastos, conforme mostrou o Comprova anteriormente, em ocasião em que os bloqueios, passíveis de reversão, foram difundidos nas redes sociais como sendo cortes definitivos de recursos.
Apesar de o teto de gastos ter sido substituído pelo novo marco fiscal, sancionado pelo presidente Lula (PT) ao final de agosto de 2023, o contingenciamento ainda é passível de ser adotado, tendo sido proposto pelo ministro da Fazenda desta vez para que as contas públicas atinjam em 2024 a meta de zerar o déficit fiscal, que consta no PLDO encaminhado pelo governo federal ao Congresso.
O compromisso de equiparar gastos à arrecadação já no próximo ano também constava no novo arcabouço fiscal, com margem de tolerância de até 0,25 ponto percentual do PIB.
O tema ganhou maior atenção desde o final de outubro após integrantes do governo passarem a discutir a possibilidade de rever a meta para um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). No dia 27 daquele mês, o próprio presidente Lula afirmou que seria difícil atingir a meta inicialmente prevista.
O ministro Fernando Haddad manteve, contudo, a defesa pública da meta inicial, entendendo que se trata de medida programática de sua gestão da Fazenda. Agentes do mercado avaliam que o descumprimento da previsão traria a percepção de risco fiscal e colocaria incertezas sobre a capacidade do governo de cumprir com as outras regras do novo arcabouço fiscal, desenvolvido pela atual equipe econômica.
Legislação não permite confisco de poupança
O Plano Collor, citado pela publicação no TikTok, trata-se de um pacote econômico do governo Collor lançado em 16 de março de 1990 e batizado de Brasil Novo. Entre outras medidas para tentar conter a hiperinflação no país à época, o programa previa o bloqueio das cadernetas de poupança.
Desde 2001, o artigo 62 da Constituição Federal proíbe que outro presidente da República repita a medida de Collor ao vedar "a edição de medidas provisórias sobre matéria que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou de qualquer ativo financeiro".
Ao Comprova, o Ministério da Fazenda reforçou, em nota, que não há nenhuma proposta de confisco de poupanças dos cidadãos pelo atual governo.
"O ministro Haddad se referiu a um eventual contingenciamento (bloqueio temporário) no orçamento público, ou seja, do Governo, em 2024, e que pode ser necessário para o cumprimento das premissas do novo marco fiscal", escreveu.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o autor da postagem até a publicação desta verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é usar fatos verdadeiros fora de contexto para causar pânico ou histeria. O post enganoso se aproveita de um anúncio sobre contingenciamento do Orçamento público para reavivar o trauma dos brasileiros com o confisco de dinheiro que haviam guardado em bancos promovido pelo governo de Collor.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já havia mostrado que Lula não anunciou confisco da poupança dos brasileiros, ao contrário do que afirma post enganoso. A adoção do contingenciamento pelo governo federal também apareceu em verificação anterior, que mostrou que a medida não se trata de corte irreversível de verbas.
Investigação e verificação
NSC participou desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Correio do Estado, Metrópoles, A Gazeta, Estadão, Folha, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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